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(texto escrito em Janeiro de 2002)
Agora
que a poeira assentou, que muitas notícias foram veiculadas,
muitas besteiras foram ditas e muitas lágrimas foram derramadas,
me sinto à vontade para "falar" com você, dividir
meus pensamentos, externar meu descontentamento com algumas coisas,
relembrar o passado.
Eu acho que agora você está
em Paz, sem sofrimento, sem agonia, sem a pressão dos que
insistiam em te manter aqui neste mundo. As pessoas não conseguem
entender que nascemos, vivemos e temos que morrer. É a lei
da Natureza, do Cosmos, de Krishna, Alá, Deus, do nome que
se queira usar. Uns morrem mais cedo do que outros, pelos mais diversos
motivos. Eu, na minha humilde opinião, acredito que a vida
é uma passagem, um aprendizado, um aperfeiçoamento
para nossa vida eterna. Existem os que realizam tanto, que aprendem
e ensinam tanto, que muitas vezes sua passagem é breve. Para
que ficar mais?
Assim deve ter sido com John, com
você, com tantos outros que realizaram belas obras. E por isso merecem passar logo para a vida eterna.
Engraçado, você passou
a vida toda reclamando dos aproveitadores, dos falsos amigos, dos
pirateiros, e, na hora seguinte à sua passagem, eles surgiram
com força total, até aqui no Brasil. É incrível,
mas aparecem pessoas que garantem para o público leigo que
sempre foram suas amigas íntimas, que encontravam-se regularmente
com você (na verdade apenas eram fãs que tiravam fotos
ao seu lado ou meros "papagaios de pirata"), que trocavam
confidências, que eram seus contatos no Brasil e no mundo.
Apareceram também aqueles que garantem ter as suas guitarras,
exatas, fiéis, valorizando suas coleções, para
faturar em cima disso.
Uma rápida olhadela em detalhes simples
como as pontes ou outras ferragens e nós, os que realmente
estudamos seus instrumentos, verificamos que na verdade eram edições
posteriores ou mesmo relançamentos. Triste, pois estas pessoas
apregoam serem seus fãs.
O pior são aqueles que se
utilizam dos meios de comunicação para traçar
o seu perfil intelectual, definir o seu caráter, detalhar
as suas frustrações e rancores. Como se fossem seus
confessores George, ou mesmo convivessem diariamente com você.
No máximo te conhecem por livros e revistas.
Mas posam por aqui como especialistas na sua vida. E você
sempre detestou estas pessoas. Os "aleijados".
Outros não entendem a profundidade
da passagem desta vida para a eternidade e esperneiam publicamente
que não aceitam sua morte, como se você fosse obrigado
a ficar por aqui, vegetando, sofrendo, apenas para o prazer ou capricho
delas. Nós que partilhamos da mesma doença, em estágios
distintos, sabemos o quão é difícil conviver
com ela.
E quão bela é a Vida Eterna, ao
lado do Senhor.
Derek, nosso querido Derek Taylor
sempre disse que invejava sua saúde, sua capacidade de reciclar
o seu corpo, após os anos da louca Beatlemania. Ele admirava
a sua espiritualidade, George. Foi o primeiro a conviver com a doença
e nos deixar. Quantos planos tínhamos juntos, traçados
na sala dele na Apple e no café do outro quarteirão,
que poderiam ter se concretizado. Mas a saúde dele impediu.
Mantive minha promessa de silêncio, aguardando que um dia
a concretização dos mesmos poderia acontecer por sua
mãos, George. Você estava lá com Ringo na última
vez que estive com Derek. Mas você também desenvolveu
a doença.
O que era silêncio de minha parte, agora
com sua passagem, foi enterrado para sempre.
Os planos eram para terem sido concretizados com
vocês em vida, sem vocês, não interessa a mais
ninguém saber do que se tratavam. Se eu falar agora, vou
me igualar aos "aleijados". Eu também desenvolvi
a doença. Por graça de Deus, eu a controlei num estágio
bem inicial. Mas um dia chegará a minha hora de também
partir, e aí poderemos matar as saudades.
Com você aprendemos muito,
rimos, choramos, rezamos.
Você deve se orgulhar bastante de sua passagem
aqui na Terra. Fizeste parte do mais importante e revolucionário
grupo musical, que acredito terá existido neste mundo. Trouxeste
a cultura indiana para a juventude ocidental, incluindo sua música.
Conseguiste, durante estes 45 anos de atividade
musical, cativar desde crianças de 6 anos até adultos
de 80 anos. Digo isso porque elas e eles estavam chorando nos dias
seguintes à sua passagem.
Obrigado cara, por ter feito parte
de nossas vidas, alegrando-as com sua música, humor e filosofia.
Por enquanto, tudo de bom para você, boa passagem, muita Paz e Amor, no Reino de Deus...
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